Voluntários erguem casas em dois dias na periferia
Empunhando serrotes e cavadeiras, universitários da ONG Um Teto Para Meu País passam o feriado no canteiro de obras para retirar famílias carentes de moradias de risco
por Nathalia Ziemkiewicz
“Falta só o telhado, gente!”, avisa Alexandre Dentes, o “Xuxa”, 22 anos. Estudante de engenharia da USP, ele lidera uma equipe de oito universitários, que cursam de relações internacionais a tecnologia da informação e têm entre 20 e 24 anos. Naquele final de semana de novembro, prolongado pelo Dia da Consciência Negra, eles trocaram viagens com os amigos por um canteiro de obras onde deram expediente das 8h às 18h. Mais que cansados, todos estão ansiosos na manhã de domingo. Dentro de algumas horas, vence o prazo para a entrega da casa que passaram os últimos dois dias construindo. Equilibrada sobre as paredes de madeira recém-erguidas, Janaína Gomyde, 24 anos, participa pela primeira vez de um dos mutirões realizados pela ONG Um Teto Para meu País (carinhosamente chamada de “o Teto”). Com olhos de novata, repara no esforço de Camila Conegundes para serrar toras: mesmo depois do comprimido de relaxante muscular, os braços estão exaustos. Ela reveza a tarefa com um imundo Ricardo Troster, vestindo pelo terceiro dia consecutivo aquela roupa de trabalho. Janaína também observa Thiago Alencar, o “Hulk”, carregando mais telhas do que poderia suportar; Gabriel Nilson esticando a trena para Diana Badaró fazer marcações; e Gabriela Yamaoka contando pregos. Uma semana atrás, ao declinar um convite para ir à praia, Janaína ouviu dos amigos: “Você está doida. Vai construir uma casa na favela – e no feriado?”.
Janaína não era a única. Na noite de quinta-feira, ela se juntou a outros 269 voluntários e embarcou num dos ônibus que os levaram a dois bairros em Guarulhos e dois em Suzano. Eles foram selecionados entre os 410 inscritos no site do Teto para o 21º mutirão promovido na Região Metropolitana de São Paulo. Graças aos R$ 39 mil arrecadados nos últimos meses em doações e campanhas nas ruas, os jovens teriam a missão de construir, ao todo, 20 casas de madeira em três dias. Muitos deles podiam contar nos dedos as marteladas que haviam dado na vida. Mas foi essa inexperiência técnica que contou pontos no processo de seleção. O Teto privilegia interessados que nunca participaram das construções de casas para retirar famílias de moradias em situação emergencial. De voluntário novo em voluntário novo, a ONG fundada no Chile, em 1997, pelo sacerdote Felipe Berríos, se instalou em 15 países latino-americanos – depois de praticamente zerar as necessidades de seu país de origem, onde entregou mais de 30 mil casas.
Por aqui há três anos, período em que ergueu 230 tetos, a ONG tem um desafio geográfico bem maior. Só na Região Metropolitana de São Paulo (que engloba a capital e mais 28 municípios), o deficit habitacional é de 446.332 domícilios, 311.598 deles na capital, segundo pesquisa realizada em 2003 pela Fundação João Pinheiro. O levantamento mais recente sobre condições de vida, realizado pela Fundação Seade em 2006, revela que 7% da população paulista mora em favelas. Por isso, o Teto pretende assentar seus alicerces em São Paulo antes de expandir para o resto do país. “Queremos atuar primeiro na periferia da periferia, onde as casas são feitas inclusive de papelão”, diz Larissa Dantas, diretora social.
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